“Presidência da República iniciou presença oficial na rede social Twitter”, lê-se, numa micro-mensagem emitida no dia 20 de Janeiro, naquela que é a nova plataforma-coqueluche da sociedade 2.0. E assim se aventura a Presidência Portuguesa, sobre o mais recente e oitavo mar, desta vez traçando caminhos por entre bits e bytes - não menos traiçoeiros e estranhos que ondas ou monstros marinhos.
Mas Cavaco não é, desta feita, descobridor: se, “no antigamente”, o Português decidiu, por vontade própria (e do Império!), traçar as formas ao mundo, desta vez foi o mundo que se nos deu a descobrir. Isto porque o “government 2.0” – neologismo que define a tentativa de integrar as vantagens da web 2.0 na prática governamental – foi já descoberto como meio de comunicação eficaz no continente do lado de lá, que um dia foi destino, mas que, no que diz respeito a estas americanices, é ponto de partida. A sua figura de proa é o actual presidente norte-americano, Barack Obama, grumete que se fez capitão, à custa das plataformas Facebook, Twitter, Friendfeed, Flickr*, entre outras, que para muito mais servem do que pescar (votos). Vejam-se as medidas por ele introduzidas no sítio oficial da Casa Branca (http://www.whitehouse.gov/), (des)protegendo os seus conteúdos utilizando uma licença “creative commons”, âncora da sociedade 2.0 que, naquele caso em concreto, oferece uma saudável alternativa ao tradicional “todos os direitos reservados”, permitindo serem copiados e remisturados os conteúdos oficiais partilhados nesse sítio, desde que citada a sua fonte.
Para além do Twitter – ferramenta utilizada para escutar e partilhar micro-pensamentos, limitados a 140 caractéres, dentro de uma rede de utilizadores – a Presidência Portuguesa aderiu também ao Flickr e ao Youtube, de forma a melhor partilhar conteúdo multimedia. Mas as semelhanças entre Obama e Cavaco no que diz respeito à utilização das redes sociais esgotam-se na partilha dos mesmos terrenos virtuais, já que ao nível da mensagem e do posicionamento são claramente divergentes. Estes “novos meios para melhor dialogarmos nas sociedades modernas” aos quais se refere Cavaco Silva, em mensagem pessoal difundida pelo sítio da Presidência Portuguesa, são utilizados pela mesma sem qualquer intenção de dialogar - acto que pressupõe uma interacção bilateral entre dois ou mais envolvidos – já que não há registo público de uma qualquer interacção entre a Presidência e os seus 2194 seguidores** no twitter. Ao invés, as mensagem e os conteúdos partilhados pela Presidência nessa plataforma somente repetem a sua agenda, publicada no sítio oficial da mesma: uma rápida pesquisa ao profile da Presidência ( http://twitter.com/presidencia ) informa-nos das condolências prestadas, inaugurações presenciadas e audiências concedidas pelo nosso Presidente. Para um igual papel servem o Flickr ou o Youtube, usados como forma unilateral de comunicação, talvez na esperança de aumentar o alcançe da voz presidencial - sem no entanto ajustar a mensagem ao meio adequado. Poder-se-á assim dizer que os meios utilizados actualmente são de facto inovadores, mas a mensagem, de nenhuma forma diferente daquela que é já transmitida via os media tradicionais, servirá somente para replicar a relação actual com o cidadão, ao nível digital. Isto porque o fosso cavado entre os órgãos democráticos do país e os seus cidadãos não é digital, mas de cidadania. E se foi essa a lacuna que Obama decidiu colmatar face ao seu povo, utilizando as redes sociais como ponte, a reprodução de uma mensagem hierárquicamente definida e austera como a actualmente emitida pela Presidência, num meio tão liberal e participativo quanto o da web fá-la-á destacar-se pela sua rigidez de rins e incompreensão do funcionamento destas novas plataformas. Isto porque a sociedade 2.0 é, por natureza, colaborativa. Tecida por links, comentários, posts, troca e partilha de referências. Aqueles que não se sentem à vontade com esta plataforma de comunicação deverão escolher os meios adequados às respectivas mensagens que pretendem transmitir - há sempre a confortável unilateralidade dos artigos de opinião publicados em órgãos de comunicação sociais mais tradicionais.
A Presidência faz bem em não seguir a estratégia de Obama, até porque tem uma agenda própria, um país próprio e cidadãos próprios. Mas aproxima-se do mundo 2.0 com uma mensagem expressa num tom de voz “1.0”. E num ano marcado pelo humanismo, pela vontade de mudança e pela generosidade, os mares já não se enfrentam sozinhos. Antes se partilham cartilhas, se traçam rotas, se rema numa direcção comum. E os que decidirem navegar a solo neste oitavo mar, arriscam-se a encalhar num qualquer pedregulho, escondido sob a superfície luzidia de links, avatares e posts.
*Para aqueles que não estão familiarizados com estes termos, aconselha-se, à boa maneira 2.0, que os procurem no Google.
** À altura da escrita deste texto.
Escrito por "PR" e publicado na Frontline de Março - mas sem os erros ortográficos aqui presentes...
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